Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira assina contratos com a Fundação Saúde. Ele é primo de Doutor Luizinho, que era secretário durante o processo de contratação; em nota, deputado diz querer 'punição exemplar para os responsáveis'. Infecção de 6 pacientes é investigada, em incidente inédito na história do serviço de transplantes do RJ.
Por Anita Prado, Gabriel Barreira, g1 Rio e RJ2
Doutor Luizinho (de pé), com a mão no ombro de Walter, marido de sua tia; no canto, agachado, está Matheus, o outro sócio da empresa — Foto: Reprodução
O laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme), investigado como o responsável pela infecção por HIV de seis pacientes transplantados, tem como um dos sócios Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira. Ele é primo do ex-secretário de Saúde Doutor Luizinho, deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.
Outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia de Luizinho. Os dois chegaram fazer campanha para Doutor Luizinho em eleições passadas.
Embora tenha deixado o cargo, Doutor Luizinho era secretário durante o processo de contratação e manteve sua influência na pasta, segundo fontes do governo. A irmã dele, Débora Lúcia Teixeira, trabalha na Fundação Saúde, empresa pública do estado que assina o contrato com o laboratório.
O deputado foi secretário de Saúde de janeiro a setembro de 2023. Entre 2022 e 2024, o laboratório recebeu quase R$ 20 milhões em pagamentos, de acordo com dados do Portal da Transparência.
2022: R$ 296.895,46
2023: R$ 3.261.726,89
2024: R$ 16.114.183,89
Total: R$ 19,6 milhões
Os primeiros pagamentos foram feitos em agosto de 2022, para análises laboratoriais em UPAs, como Bangu, Campo Grande e Realengo. Na época, não havia um contrato sequer. A empresa recebia da Fundação Saúde por meio de termos de ajuste de contas, ou TACs.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o TAC é um instrumento pelo qual a administração pública reconhece a prestação de serviços sem o devido contrato. A modalidade tem caráter excepcionalíssimo e a utilização não pode ser banalizada.
A recomendação é ignorada pela Fundação Saúde, que já gastou mais de R$ 300 milhões assim.
Depois de receber tantas vezes sem contrato nenhum, em 2023, a empresa começou a receber os pagamentos sendo contratada, mas sem concorrência, como é recomendado no setor público. Em fevereiro do ano passado, a Fundação Saúde fechou um contrato com a empresa por dispensa de licitação.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o erro do laboratório que causou a infecção dos transplantados, ocorreu numa contratação feita em dezembro de 2023, por R$ 11 milhões.
Essa foi a única em que houve um pregão eletrônico para escolher a empresa vencedora. No dia da assinatura, Doutor Luizinho não era mais o secretário. O processo de compra, no entanto, se arrastou por mais de três anos. Durante boa parte desse período, o deputado federal ocupava o cargo mais alto da pasta.
A vitória da empresa no contrato que acabou causando o erro e a infecção de pacientes com HIV chegou a ser contestada. Uma das participantes da concorrência alegou que a PCS não tinha apresentado a documentação que comprovava a capacidade técnica.
O que diz o Doutor Luizinho
Em nota, Doutor Luizinho afirmou:
"Conheço o Laboratório Saleme há mais de 30 anos, dirigido pelo Dr Montano e posteriormente por seu Filho Dr Valter Viera (casado com a irmã da minha mãe, Ana Paula) e suas irmãs. Lamento veementemente o ocorrido, desejando ao fim das investigações punição exemplar para os responsáveis por esses gravíssimos casos de infecção.
Enquanto Secretário de Estado de Saúde , mantive a mesma equipe do Programa Estadual de Transplantes da gestão anterior e jamais participei da contratação deste ou de qualquer outro Laboratório.
É muito triste como um dos maiores defensores do Transplantes no País, cuja minha vida pública está marcada pela ampliação do número de transplantes no Estado, ver casos graves como esse! Espero punição aos responsáveis, independente de quem for."
O Ministério da Saúde determinou a instalação de "auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) em todo o sistema de transplante do Rio, e a apuração de eventuais irregularidades na contratação do referido laboratório, entre outras providências".
Entenda o caso
Seis pessoas que estavam na fila do transplante da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) receberam órgãos infectados pelo HIV e agora testaram positivo para o vírus. O incidente é inédito na história do serviço.
A notícia foi dada pela BandNews FM nesta sexta-feira (11). À TV Globo e ao g1, a SES-RJ confirmou as informações. O incidente também é investigado pelo Ministério da Saúde e pela Polícia Civil do RJ.
“Esta é uma situação sem precedentes. O serviço de transplantes no Estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas”, declarou a SES-RJ.
Segundo o governo do estado, o erro foi do PCS Lab Saleme, uma unidade privada de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, contratada pela SES-RJ em dezembro do ano passado, por meio de pregão eletrônico (um tipo de licitação) no valor de R$ 11 milhões, para fazer a sorologia de órgãos doados.
A Coordenadoria Estadual de Transplantes e a Vigilância Sanitária Estadual interditaram o laboratório, e o caso é investigado pela Delegacia do Consumidor (Decon) da Polícia Civil. O Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) também abriu sindicância.
A Anvisa descobriu ainda que o PCS não tinha kits para realização dos exames de sangue nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos e que os resultados tenham sido forjados.
Transplante em janeiro
A situação foi descoberta no último dia 10 de setembro, quando um paciente transplantado foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado para HIV positivo; ele não tinha o vírus antes.
Esse paciente recebeu um coração no fim de janeiro. A partir daí, as autoridades refizeram todo o processo e chegaram a 2 exames feitos pelo PCS Lab Saleme.
A primeira coleta foi feita no dia 23 de janeiro deste ano — foram doados os rins, o fígado, o coração e a córnea, e todos, segundo o laboratório, deram não reagentes para HIV.
Sempre que um órgão é doado, uma amostra é guardada. A SES-RJ, então, fez uma contraprova do material e identificou o HIV. Em paralelo, a pasta rastreou os demais receptores e confirmou que as pessoas que receberam 1 rim cada também deram positivo para o HIV. A que recebeu a córnea, que não é tão vascularizada, deu negativo. A que recebeu o fígado morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, e a morte não teria relação com o HIV.
No dia 3 de outubro, mais um transplantado também apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV. Essa pessoa também não tinha o vírus antes da cirurgia. Cruzando os dados, chegaram a outro exame errado, o de uma doadora no dia 25 de maio deste ano.
Reteste
A secretária estadual de Saúde, Cláudia Mello, disse que a 1ª ação tomada foi de transferir todos os exames de sorologia dos doadores desse laboratório para o Hemorio, uma unidade de saúde estadual.
“Então, a partir do dia 13 de setembro, toda a doação é passada direto das doações para o Hemorio”, disse Cláudia. O departamento vai retestar o material armazenado de 286 doadores.
O que a SES-RJ diz
“A Secretaria de Estado de Saúde (SES) considera o caso inadmissível. Uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados e, imediatamente, foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados.
O laboratório privado, contratado por licitação pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, teve o serviço suspenso logo após a ciência do caso e foi interditado cautelarmente. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.
A Secretaria está realizando um rastreio com a reavaliação de todas as amostras de sangue armazenadas dos doadores, a partir de dezembro de 2023, data da contratação do laboratório.
Uma sindicância foi instaurada para identificar e punir os responsáveis. Por necessidade de preservação das identidades dos doadores e transplantados, bem como do encaminhamento da sindicância, não serão divulgados detalhes das circunstâncias.
Esta é uma situação sem precedentes. O serviço de transplantes no Estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas.”
O que diz o PCS Lab
Veja a nota enviada pelo PCS Lab:
"O laboratório PCS Lab abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados ocorridos no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969.
O laboratório informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado. Nesses procedimentos foram utilizados os kits de diagnóstico recomendados pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso. "