Arqueólogos descobrem sob as ruínas de um convento em Nazaré o local onde Cristo teria vivido seus primeiros anos e concluem, pela estrutura do imóvel e os objetos encontrados, que a sagrada família seria de classe média
Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br)
Uma casa com pórticos arqueados e feitos de calcário, material considerado puro pelos judeus do século primeiro. Nem suntuosa, nem muito pobre. Este pode ter sido o lar de Jesus Cristo durante sua infância em Nazaré, segundo pesquisa realizada por um time de arqueólogos da Universidade de Reading, no Reino Unido. A equipe descobriu que, cerca de 600 anos após a crucificação, os bizantinos acreditavam que o menino Jesus havia vivido seus primeiros anos no local. Por isso, ao redor da construção, ergueram uma igreja que se tornou um importante centro de peregrinação para cristãos do período.
HISTÓRIA
Ruínas da residência do século primeiro que teria sido a morada de Cristo (acima) e convento das Irmãs de Nazaré, onde o tesouro arqueológico foi descoberto pelos pesquisadores (abaixo)
Hoje, no mesmo lugar está o convento das Irmãs de Nazaré, que foi crucial para a identificação. A principal evidência de que os cristãos daquele tempo acreditavam ser aquela a moradia do pequeno Cristo está num documento chamado “De Locis Sanctis” (Os Locais Sagrados), escrito em 670 d.C. pelo abade irlandês Adomnàn de Iona. No texto, o monge conta a história da suposta peregrinação a Nazaré feita pelo bispo franco Arculf e explica que naquele tempo existiam duas grandes igrejas na cidade, a Basílica da Anunciação e um outro templo próximo, que contava com uma cripta com duas tumbas e um poço em seu interior. Entre as sepulturas, estava uma casa que os bizantinos acreditavam ter pertencido à Sagrada Família. De acordo com os pesquisadores, a descrição da segunda igreja se encaixa perfeitamente com as ruínas sob o convento – que, além disso, está a poucos metros da Basílica da Anunciação, conforme descrito no “De Locis Sanctis”.
Se esta realmente foi a casa de Jesus, seus padrões de vida estavam acima da alardeada origem humilde. Chefe da equipe acadêmica da Universidade de Reading, o arqueólogo Ken Dark explica que os moradores do local não eram nem muito pobres, nem muito ricos, a julgar pela estrutura do imóvel e pelos objetos encontrados. Ele também considera que os que lá viveram provavelmente eram judeus, já que a construção foi feita em calcário, um material que respeitava as regras de pureza daquele povo. A datação foi feita através do estilo arquitetônico e dos modelos cerâmicos encontrados.
O especialista acredita que este pode ser realmente o antigo lar do menino Jesus, mas diz que as evidências científicas só permitem afirmar com certeza que os bizantinos acreditavam nessa possibilidade. “Por se tratar de uma residência do século primeiro, talvez eles estivessem corretos na identificação de onde Cristo foi criado, mas é muito difícil ligar evidências arqueológicas a pessoas específicas”, disse à ISTOÉ. A descoberta foi publicada no periódico Biblical Archaeological Review, reunindo material de dois estudos anteriores do próprio Dark. No artigo, ele revela que na escavação foram achados potes de cozinha, um fuso de tear e uma decoração de mosaicos bizantinos feita séculos depois da crucificação. “Os adornos sugerem que o local era de importância especial e possivelmente venerado”, escreveu ele.
Os escombros foram descobertos por acaso no século 19 pelas freiras que moravam no convento. Em 2006, a equipe de Dark fez a datação das ruínas da residência e do antigo templo erguido em volta dela, chamado de Igreja da Nutrição (uma referência onde Maria amamentou Jesus). Depois dos bizantinos, o templo foi abandonado por um período e voltou à ativa durante as Cruzadas, antes de ser destruído pelo fogo no século 13. Mas a descoberta não é uma unanimidade entre a comunidade acadêmica. “A importância do achado está em iluminar o contexto histórico de Cristo, e não em confirmar sua presença física naquela residência”, afirma o arqueólogo Rodrigo Silva, professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo. Presidente da Associação Brasileira de Arqueologia do Mediterrâneo Oriental, Jorge Fabbro acha pouco provável que Cristo tenha passado a infância na casa. “A única evidência que os pesquisadores têm é uma tradição bizantina em relação àquele local. Essas tradições não têm valor histórico porque são muitas vezes exageradas. Do ponto de vista científico, a ligação com a figura de Jesus é precária”, afirma. Para Dark, no entanto, “as novas informações do projeto transformam o conhecimento arqueológico do período romano e da Nazaré bizantina.” Alheios às considerações acadêmicas, os cristãos do mundo todo devem adotar o local como uma importante ponto de peregrinação para alimentar a fé.
Fonte: IstoÉ
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