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Raquel Dodge. Uma gestão marcada por crises. Corrida para uma PGR sob pressão

Bolsonaro amplia leque dos concorrentes ao cargo numa instituição envolvida em controvérsias públicas e desgastada com o vazamento das conversas de integrantes da Lava-Jato



Por Leonardo Cavalcanti E Renato Souza
Correio Braziliense

Além de adiar o anúncio do novo comandante do Ministério Público Federal, Bolsonaro amplia leque dos concorrentes ao cargo numa instituição envolvida em controvérsias públicas e desgastada com o vazamento das conversas de integrantes da Lava-Jato.

Há duas semanas, o subprocurador Augusto Aras, um baiano orgulhoso da terra natal, dava como certa a indicação para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Depois de quatro encontros com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, o anúncio era esperado para as próximas horas daquela terça-feira, 6. Passados mais de 12 dias da “certeza” de Aras, o presidente continua indeciso em relação ao nome do novo comandante do Ministério Público Federal e, nesse período, apenas ampliou o leque dos concorrentes ao cargo, que hoje chegam a pelo menos cinco. Como pano de fundo da disputa, há uma instituição rachada, envolvida em controvérsias públicas e desgastada com o vazamento das conversas entre os integrantes da força-tarefa em Curitiba, que colocaram em xeque a imparcialidade de parte das investigações.

Com o leque aberto — e com Aras praticamente fora da disputa —, a corrida para o cargo de procurador-geral da República ganhou novos contornos na reta final. O tamanho da dúvida de Bolsonaro foi exposto pelo próprio presidente na última quinta-feira, ao comparar o cargo no Planalto com a chefia do Ministério Público. “Tudo passa pelo PGR também. De vez em quando, o PGR é para ser mais importante que o presidente. Esse que é o problema”, disse Bolsonaro, com dificuldades em escolher um nome que pense como ele e tenha um mínimo de respeito no Ministério Público, uma tarefa das mais difíceis. Até a sexta-feira passada, o presidente havia se reunido com mais de 10 procuradores. O movimento foi iniciado depois que Aras passou a ser minado pela rede de bolsominions a partir de informações repassadas pelos opositores do procurador baiano.

A equação de Bolsonaro é complexa pelo fato de que, depois de escolhido, o procurador-geral não pode ser demitido, tal qual um ministro que desobedece o chefe. A Constituição estabelece que compete privativamente ao Senado “aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do procurador-geral antes do término de seu mandato”. Assim, uma eventual independência do comandante do MP ao longo do mandato assusta o capitão reformado, que entrou numa queda de braço com os delegados da Polícia Federal por causa da troca de comando da superintendência da corporação no Rio e foi obrigado a recuar. Durante a tensão com os policiais, ele foi aconselhado a recuar de uma tentativa de interferir em questões administrativas da Polícia Federal.

Lista tríplice 

Os candidatos mais votados em uma lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ficaram em segundo plano nas intenções do presidente. Ao escolher um nome que está fora do ranking, o chefe do Executivo abre uma temporada de embates com o Ministério Público e torna mais difícil o mandato de quem assumir a chefia do órgão. Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul, que têm a chancela da categoria, não receberam apoio de aliados ou do próprio presidente. O único dos três recebido por Bolsonaro foi Bonsaglia. “O presidente começou a perceber que ao escolher alguém fora da lista acabará responsável pelos atos do procurador-geral, como Fernando Henrique acabou marcado na gestão de Geraldo Brindeiro”, disse um integrante do Ministério Público.

Em defesa da lista tríplice estiveram os procuradores da Lava-Jato, principalmente os de Curitiba, que acabaram desgastados com os vazamentos de conversas, enfraquecendo o próprio apoio. Na prática, essa turma está mais preocupada hoje em se defender do que em pressionar o Planalto. A imagem arranhada dos integrantes da operação pouco reflete na própria dificuldade da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, com a categoria por causa do alto grau de corporativismo. Assim, Bolsonaro avança sem grandes entraves sobre a instituição criada oficialmente por lei em 1951, mas que conseguiu garantias e poder de investigação efetivas a partir da Constituição de 1988.

“A lista tríplice dá respeito, transparência e liderança para o procurador escolhido”, disse ao Correio José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da ANPR. O problema, segundo o procurador, não é a demora em Bolsonaro escolher o novo PGR. Mesmo que isso não ocorra até 17 de setembro, data marcada para a saída de Dodge, um nome interino assume o cargo. “O equívoco é achar que um PGR vai impor algo aos integrantes da carreira, que têm independência funcional.”

"Tudo passa pelo PGR também. De vez em quando, o PGR é para ser mais importante que o presidente. Esse que é o problema” 
Jair Bolsonaro, presidente da República

"O equívoco é achar que um PGR vai impor algo aos integrantes da carreira, que têm independência funcional” 
José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da ANPR

Dodge: uma gestão marcada por crises

Mandato de Raquel Dodge acaba em 18 de setembro, e a lei permite que ela seja reconduzida: até agora, a PGR apresentou 63 denúncias ao STF e ao STJ

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumiu o cargo em setembro de 2017 em meio a uma crise na política nacional. Indicada pelo então presidente Michel Temer, ela chegou ao topo do Ministério Público Federal após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o chefe do Planalto era alvo de denúncias apresentadas pelo ex-PGR Rodrigo Janot. Dodge foi empossada sob desconfiança em relação a sua independência do Poder Executivo. No entanto, o maior desafio para ela começou em junho deste ano, quando integrantes do MPF no Paraná tiveram as conversas hackeadas e levadas a público. Nos diálogos, o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, combina ações com seus pares sobre processos e faz comentários políticos. Eles criticam a própria PGR.

De acordo com as mensagens hackeadas, os procuradores, enquanto festejavam o apoio do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicavam a realização de investigações informais contra Gilmar Mendes e contra o próprio presidente da Corte, Dias Toffoli. Esses fatos fazem com que Dodge encerre sua gestão em meio a uma crise. Na turbulência, a chefe do órgão, que também ocupa a Presidência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), evitou comentários sobre o teor dos diálogos e declarou apoio à força-tarefa, logo após receber a equipe de Curitiba na sede do MPF, em Brasília.

A inércia de Dodge frente às revelações envolvendo procuradores criou um clima de instabilidade com o Supremo, que aguarda reações formais do CNMP. Na Corte, corre o entendimento de que, se nada for feito, o próprio tribunal deve agir para proteger sua autoridade.

Lenio Streck, pós-doutor em direito pela Universidade de Lisboa e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, afirma que, diante das atribuições do cargo, Dodge deveria ter atuado de forma mais concreta no caso. “Na gestão, ela deixou muito a desejar. No caso da Lava-Jato, ela foi fagucitada pelos procuradores. Agora, recentemente, quando aconteceu tudo, notei o silêncio eloquente dela, preocupada, talvez, com a possibilidade de ser reconduzida”, diz.

O professor destaca que o próximo ocupante do cargo terá uma das gestões mais difíceis da história do órgão, principalmente se não for um dos nomes da lista tríplice. “O novo procurador-geral pode remeter ao passado, quando era um alongamento do Poder Executivo, ou se firmar no patamar de independência que deve ser”, ressalta.

O mandato de Dodge termina em 18 de setembro. De acordo com a Constituição, ela pode ser reconduzida ao cargo por mais dois anos. A PGR chegou a receber, inclusive, o apoio público do ministro Dias Toffoli. Porém, desde que assumiu o governo, Bolsonaro tem demonstrado que prefere outro nome. Dodge foi autora de uma denúncia de racismo apresentada contra ele no STF no tempo em que o chefe do Executivo ocupava uma cadeira na Câmara.

O próximo comandante da Procuradoria vai administrar um orçamento que deve superar os R$ 4 bilhões. Além disso, terá de liderar 1.300 procuradores, atuar junto aos tribunais superiores e manter a classe em harmonia.

Balanço 

Em quase dois anos de gestão Dodge, o MPF apresentou 63 denúncias ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A procuradora enfrentou uma onda de instabilidade diante da discussão sobre o fim do auxílio-moradia, que chegou ao Supremo e repercutiu nos demais poderes, inclusive no Ministério Público. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, R$ 53 milhões destinados ao pagamento do benefício aos procuradores foram remanejados para outros custos, para cumprir o teto definido na Emenda Constitucional 95.

Em relação ao vazamento de conversas dos celulares de procuradores, a PGR informou que “desde o início de maio, quando foram identificadas tentativas de ataques, a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação (STIC) e a procuradora-geral da República tomaram diversas medidas de proteção e investigação”. ( RS )

"Recentemente, quando aconteceu tudo (nas suspeitas sobre a Lava-Jato), notei o silêncio eloquente dela, preocupada, talvez, com a possibilidade de ser reconduzida” 
Lenio Streck, pós-doutor em direito pela Universidade de Lisboa

O tamanho do MPF

1.300 procuradores
9 mil servidores
Orçamento 2019
R$ 4,1 bilhões

Candidatos na mira

Além dos integrantes da lista tríplice da ANPR, e de Augusto Aras, há outros procuradores no horizonte de escolhas do presidente Jair Bolsonaro. Além de suas exigências pessoais, ele está recebendo uma chuva de indicações de aliados. O chefe do Executivo tem sido alertado, por pessoas próximas, de que essa é uma escolha que ele não pode errar, sob o risco de comprometer setores importantes do governo e colocar em xeque sua relação com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Poder Judiciário.

O subprocurador-geral Paulo Gustavo Gonet Branco, mestre em direitos humanos pela University of Essex (1990), no Reino Unido, e doutor em direito, Estado e Constituição pela UnB (2008), tem apoio da deputada Bia Kicis (PSL-DF) e de outros nomes do partido. Sem enfrentar rejeição entre os eleitores do presidente, o nome dele passou a despontar. “É uma pessoa preparada, alinhada com as pautas. Não é uma questão de apoiar o governo, mas sim de não atrapalhar. Paulo é uma pessoa correta, íntegra”, afirma a deputada. O que pesa contra Gonet é o fato de ele ter sido sócio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).

Gilmar não tem boa recepção no Executivo, por conta de suas posições em julgamentos na Corte e pelas críticas ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, e a procuradores da Lava-Jato no Paraná. No entanto, Gonet é apoiado pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, que tem mantido proximidade com o Planalto e com o próprio Bolsonaro.

Com a ascensão de Gonet, Augusto Aras passa para o segundo lugar na preferência. Além de ter uma linha de pensamento parecida com a do presidente, Aras mantém proximidade com integrantes do governo. Críticas de eleitores com relação a declarações passadas dele, consideradas de esquerda, fizeram o presidente recuar no nome dele.

Outro candidato é o procurador José Bonifácio de Andrada. Ele tem forte apoio entre as equipes da Lava-Jato. Integrantes do MPF avaliam que é o melhor nome fora da lista tríplice, por sua intenção de manter a independência do MP. Bolsonaro também se encontrou, na semana passada, com o subprocurador-geral Marcelo Rabello e com o procurador regional Lauro Cardoso. O presidente avalia ainda a eventual indicação de Marcelo Weitzel, do Ministério Público Militar (MPM). ( RS )

Os concorrentes

Paulo Gonet
Augusto Aras
Blal Dalloul
Luiza Frischeisen
Mário Bonsaglia
Raquel Dodge (recondução)
José Bonifácio de Andrada
Marcelo Rabello
Marcelo Weitzel
Lauro Cardoso
Vladimir Aras


Fonte - Correio Braziliense

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