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Césio 30 anos: Série do G1 Goiás reconta o maior acidente radiológico do mundo

Tragédia ocorreu no dia 13 de setembro de 1987 e marcou a história dos moradores de Goiânia, deixando quatro mortos e 249 contaminados.

Por Elisângela Nascimento e Murillo Velasco, G1 GO


Césio 30 anos: Série do G1 Goiás reconta o maior acidente radiológico do mundo
O maior acidente radiológico do mundo começou quando, no dia 13 de setembro de 1987, dois catadores de recicláveis acharam um aparelho de radioterapia abandonado, desmontaram e o venderam a um ferro-velho de Goiânia. Eles não tinham noção de que se tratava do césio-137. Altamente radioativo, o pó de coloração azul, que ficava no equipamento, causou quatro mortes e contaminou, pelo menos, 249 pessoas.

Para recontar a história que marcou Goiás e repercutiu mundialmente, o G1 preparou a série "Césio 30 anos". São reportagens especiais, produzidas durante mais de dois meses, que trazem depoimentos emocionantes de quem vivenciou cada momento daquela época, além de discutir os impactos do acidente ao longo dessas três décadas.

Sete pontos de Goiânia foram os mais atingidos pela contaminação. Evacuados na época, a maioria desses locais está ocupada atualmente. Grande parte dos moradores ainda vive na vizinhança, e se recorda da tragédia quase que diariamente. Alguns ainda temem ser contaminados. No entanto, especialistas garantem que não há risco.

Repórteres do G1 percorreram todos os locais por onde o material radioativo passou. O aparelho de radioterapia estava abandonado no desativado Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), na Avenida Paranaíba, no Centro de Goiânia, quando os catadores Wagner Mota Pereira e Roberto Santos o levaram até a na Rua 57, onde Roberto morava, e o desmontaram, a marretadas.

Equipamento de radiologia onde foi encontrada a cápsula do Césio-137 (Foto: Divulgação/Cnen)
O equipamento foi vendido a Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho, localizado no Setor Aeroporto. Seis dias depois, seu irmão, Ivo Alves Ferreira, viu a pedra que brilhava à noite e, encantado, levou fragmentos para casa.

Além dele, um amigo de Devair, Ernesto Fabiano, também havia levado parte do material para casa e deu um pouco do pó para o irmão, Edson Fabiano, que levou o “presente” para a residência dele, também no Setor Aeroporto.

Descoberta do perigo

Aos poucos, o material radioativo foi entrando em contato com outras pessoas, até que no dia 28 de setembro de 1987, a mulher de Devair, Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, percebeu que todos que estiveram próximos ao “pó azul” estavam se sentindo mal. Ela, então, levou o equipamento até a Vigilância Sanitária Estadual, onde foi descoberto que se tratava de um material radioativo indevidamente descartado.

Foram registradas oficialmente quatro mortes causadas pelo césio-137. A primeira delas foi a filha do Ivo Alves Ferreira, a menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, que morreu em 23 de outubro de 1987, e se tornou um símbolo da tragédia.

No mesmo dia, Maria Gabriela, que era tia da Leide, também morreu. As outras duas mortes confirmadas em decorrência do contato com o césio-137 foram dos funcionários do ferro-velho Israel Batista dos Santos, de 20 anos, no dia 27 de outubro, e Admilson Alves de Souza, de 18 anos, que morreu no dia seguinte.

Entre as pessoas que sobreviveram à contaminação estão os funcionários que trabalharam na limpeza dos lugares por onde o material radioativo passou. Ouvidos pelo G1, eles relatam que, nos primeiros momentos, estiveram nos locais sem o material de proteção adequado. As vítimas contam que, além de sofrer humilhações, foram agredidas e até expulsas de ônibus.

Cobertura jornalística

Toda esta realidade foi retratada pelos profissionais de comunicação que trabalharam na cobertura jornalística do acidente radiológico.

O G1 conversou com os jornalistas Jackson Abrão, diretor de jornalismo da TV Anhanguera na época, Cileide Alves, que cobria a agenda do então governador, Henrique Santilo, além da atual correspondente da TV Globo na Itália, Ilze Scamparini, que na época passou um mês em Goiânia para produzir um programa especial sobre o acidente, e dos cinegrafistas da TV Anhanguera Paulo Roberto Ribeiro, Márcio Aires, Vantuir Oliveira.

Eles contaram sobre os desafios vencidos e a experiência profissional e pessoal durante o período de descontaminação das vítimas do césio-137.


Leide das Neves, 6 anos, foi a primeira vítima do césio-137 (Foto: Reprodução / TV Anhanguera)
Caso de Justiça

Em 1996, os médicos Carlos Bezerril, Criseide Dourado e Orlando Teixeira, responsáveis pela clínica desativada, além do físico Flamarion Goulart, que prestava consultoria para o IGR, foram condenados por homicídio culposo das quatro vítimas, quando não há intenção de matar. O dono do prédio, Amaurillo Monteiro, também foi condenado, mas depois conseguiu a suspensão da pena. Em 1998, todas as penas foram extintas, por um indulto presidencial.

No último dia 2 de setembro, Flamarion afirmou ao Fantástico que, depois que o IGR foi desativado, a cápsula com o césio-137 tinha sido levada ao Hospital Araújo Jorge e que não sabe como o equipamento voltou para o lote do instituto. Diante da declaração, a associação mantenedora da unidade instaurou uma sindicância para apurar a denúncia feita três décadas após o fato.

Físico diz que cápsula com césio-137 foi retirada do Hospital Araújo Jorge, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Globo)
Sequelas

Diante de tantos danos sofridos, as vítimas do maior acidente radiológico do mundo correram atrás de direitos na Justiça. Os diretamente afetados pela radiação recebem cobertura do plano do Instituto de Assistência aos Servidores Públicos do Estado de Goiás (Ipasgo), além de pensões. No entanto, três décadas depois do acidente, muitos ainda relatam que faltam apoios médico e financeiro.

O Centro de Atendimento aos Radioacidentados (Cara) é o órgão da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) responsável pelos atendimentos às vítimas do césio-137.

O Cara surgiu da antiga Superintendência Leide das Neves (Suleide) e dividiu os pacientes em três grupos: o de pacientes que apresentaram mais de 20 rads no corpo, que é a unidade de medida de quantidade de radiação identificada; os com menos de 20 rads; e o formado por vizinhos do local onde houve o acidente e trabalhadores que atuaram na área contaminada. Os filhos e netos dos dois primeiros grupos também têm direito à assistência.

As vítimas e parentes dos afetados pelo césio-137 alegam que os recursos da pensão são insuficientes para arcar com o custo dos medicamentos. Outros afirmam que sofrem as consequências da contaminação, mas não conseguiram o direito à pensão ou assistência médica.

O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) atuou, na época, em defesa dos servidores públicos que trabalharam nas regiões em que a cápsula foi aberta, fazendo a segurança do local e transportando material considerado lixo radioativo. Conforme o promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, autor do inquérito, vários deles apresentaram sintomas de intoxicação pela radiação e doenças graves, como câncer, e não eram reconhecidos como vítimas.


Instalações da clínica de onde foi retirada a cápsula de césio-137, em Goiânia (Foto: Divulgação/Cnen)
Isolamento máximo

Os rejeitos do césio-137 estão enterrados em duas enormes caixas de concreto, em um depósito em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana de Goiânia. O G1 foi até o local que abriga os restos de construções e objetos que estiveram em contato direto com a radioatividade.

O espaço fica de uma área de 32 alqueires, dentro do Parque Estadual Telma Otergal, às margens da BR-060. Lá, foi construído o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro Oeste (CRCN-CO), que é vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Sua função é monitorar os rejeitos do césio e promover pesquisas na área ambiental ligadas à radioatividade.

Em troca da concessão de 50 anos do governo do estado para funcionar no local, o CRCN-CO realiza procedimentos diversos como forma de contrapartida. Entre eles, estão pesquisas na área de saúde ligadas às questões nucleares e radiológicas. Também há programas de formação de estágio, bolsistas e projetos de pesquisas, além de um programa de monitoramento ambiental.

Depósito onde estão enterrados os rejeitos do césio-137, em Abadia de Goiás (Foto: Sílvio Túlio/G1)
Tragédia virou rock

Pouco tempo depois do acidente, um grupo de jovens indignados com os transtornos do acidente radiológico resolveu criar a HC-137 [Horrores do césio -137], uma banda de rock para criticar, não só as consequências do césio-137, mas todas as mazelas sociais que Goiânia viveu no final dos anos 1980.

O G1 promoveu o reencontro de integrantes de difererentes gerações do grupo. O baixista Flávio Diniz, o guitarrista Luciano Xavier e o baterista Aurélio Dias não fizeram parte da fundação do grupo, mas estão preparando uma apresentação no Festival Vaca Amarela, adiantando o aniversário de 30 anos da HC-137 e para relembrar as três décadas do acidente.

Além da música, o acidente com o césio-137 virou um livro de história em quadrinhos, “137”, escrita pelo goiano Ronaldo Zaharijs, de 31 anos. Ele contou que teve a ideia de criar o enredo diante do preconceito vivido pela população de Goiânia no final dos anos 1980. O autor disse que o assunto era tratado como “tabu” durante a adolescência dele na escola e o intrigou a pesquisar e escrever sobre o caso.

Na semana em que completam 30 anos do acidente, o tema também será abordado também pelas exposições fotográficas “Hiroshima Nunca Mais”, “Sobre o acidente com o césio-137”, além do um seminário “Questões atuais sobre a saúde das vítimas”, e de uma audiência pública.


HC-137 trazia à tona as mazelas sociais do acidente com o césio em Goiânia (Foto: Arquivo Pessoal/HC-137)


Fonte - G1/DF

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