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Projeto da PCDF ajuda vítimas de violência a reconstruírem a vida

Apesar de recente, o projeto já prestou suporte jurídico, social e profissional a 80 mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica

IGO ESTRELA/METRÓPOLES
Aos 25 anos, Isabela* guarda na memória uma infância marcada por abusos. Por muito tempo, a jovem foi vítima de violências que aconteciam dentro da própria casa, cometidas por quem ela achava que devia protegê-la. Do trauma não restaram cicatrizes ou hematomas, mas as marcas profundas afligiram o seu coração por muito tempo.

A mulher que hoje sorri e se relaciona socialmente reergueu sua vida. Ela criou forças para seguir em frente com a ajuda de um projeto desenvolvido pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) em parceria com entidades sociais. O Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher (Nuiam) tem pouco tempo de existência, foi criado em abril deste ano, mas já faz diferença para diversas pessoas.

Em uma sala modesta, nos fundos da 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires), o projeto prestou suporte jurídico, social e profissional a 80 mulheres vítimas de algum tipo de violência doméstica. A estrutura conta com profissionais responsáveis dedicadas a cada caso. Além de agente de polícia, delegada e escrivã, as assistidas são atendidas por psicóloga, assistente social, conselheira tutelar e uma advogada.

Segredo sufocado
Desde que venceu a barreira do silêncio, após 10 anos de violências sexuais, Isabela procurou ajuda e se integrou ao projeto. Em entrevista ao Metrópoles, a jovem se abriu e falou sobre o longo período de terror que passou. O abusador, tio dela, nunca mais foi visto depois de descoberto.

O homem aproveitava as reuniões de família para cometer os crimes. “Não sei ao certo como começou. Acredito que eu deveria ter pelo menos cinco anos. Com o passar do tempo, os abusos foram se intensificando”, conta. Aos 12 anos, a menina percebeu que aquele contato com o tio era errado.

"Comecei a ter noção da maldade e da violência. As reuniões de família passaram a ser um tormento, pois comecei a evitá-lo e sempre procurava estar perto de alguém quando ele se aproximava"Isabela*

O agressor se aproveitava da relação com o irmão dela para se aproximar. “Eu tentava fugir, mas as vezes ele dava um jeito de me cercar em um quarto ou algum lugar onde não tinha ninguém e tentava me tocar”, lembra. O silêncio e o isolamento foram os remédios encontrados pela jovem para tentar passar por toda a situação.

Sufocada pelo segredo e a vergonha que sentia, ela resolveu revelar a violência aos pais após completar 18 anos. “Mesmo assim, não tive coragem de encarar minha mãe e falar tudo o que havia ocorrido comigo. Decidi escrever uma carta sobre o que passei”, desabafa.

Isabela só conseguiu contar aos pais sobre as violências cometidas pelo tio por meio de uma carta - REPRODUÇÃO


Violência psicológica
As mulheres que procuram o Nuiam sofreram mais do que agressões físicas. Muitas vezes, os ataques vão além das marcas em seus corpos. A violência psicológica pode provocar traumas ainda mais complicados de serem curados.

As lágrimas de Nelma G. F., 56 anos, não escondem o tormento que viveu nos últimos oito anos. Ela teve o primeiro contato com o ex-companheiro por meio de uma rede social. Logo depois de se conhecerem pessoalmente, começaram a namorar e resolveram morar juntos. Até então, acreditava estar vivendo um conto de fadas.

As coisas começaram a mudar após Nelma precisar vender um apartamento para ajudar no tratamento da mãe, que tinha câncer. Com isso, ela se mudou para o imóvel alugado pelo companheiro. Com cerca de R$ 140 mil que sobraram da venda, investiu todo o capital em um comércio que pertencia ao homem.

"A tortura começou depois que reformei toda a loja. Passei a ser preterida, humilhada, ameaçada e diminuída por ele. Comecei a ser violentada psicologicamente" Nelma

Projeto da PCDF ajuda vítimas de violência a reconstruírem a vida


Com a ajuda do Nuiam, ela começou a reconstruir a vida Igo Estrela/Metrópoles
Nelma teve o próprio carro, joias e outros bens valiosos retirados pelo ex-companheiro e não sabe, até hoje, onde foram parar. “Nos separamos antes que eu fosse agredida fisicamente, pois ele já havia acabado com meu equilíbrio emocional. Perdi minha paz e estabilidade financeira, mas ele continua a me ameaçar, perseguir e atormentar. Estou contando com a ajuda pro Nuiam para tentar colocar minha vida nos trilhos”, revela.

Parceria
O projeto saiu do papel graças a uma parceria com a Universidade Católica de Brasília (UCB). Em um evento realizado em abril de 2016, a delegada-adjunta da 38ª DP, Grace Justa, e a professora de psicologia jurídica Heloise de Vivo se conheceram e conversaram sobre uma proposta de intervenção junto às vítimas antes das audiências de justificação.

Segundo a docente, que participa do processo de triagem, as mulheres se encontram mais abertas à denúncia e à reflexão quando chegam à delegacia. “Antes do Nuiam, encontrávamos as mulheres poucos minutos antes da audiência, o que dificultava o tratamento e a condução do processo”, conta.

A iniciativa ganhou a admiração do promotor Jamil Amorim, da Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. “Com esse trabalho, as vítimas chegam mais seguras. Tem rendido frutos preciosos”, ressalta.

A psicóloga Heloísa de Vivo presta atendimento gratuito para mulheres vítimas de violência doméstica na 38ª DP - IGO ESTRELA/METRÓPOLES
A UCB abriu as portas dos cursos de direito, psicologia e serviço social para o projeto, com a cessão de profissionais fixas para a delegacia todas às segundas-feiras. Outros cursos da universidade também são acionados de acordo com as demandas da vítimas. São tratamentos prestados por estudantes de odontologia, fisioterapia e gastronomia.

Para a delegada Grace Justa, o viés social do trabalho é um grande diferencial, pois as mulheres passam por um estudo psicossocial e recebem capacitação para geração de renda e empregabilidade. “Elas chegam à delegacia com todos os sentimentos à flor da pele. Nessa triagem que desenvolvemos conseguimos prestar todos os serviços possíveis, desde o registro da ocorrência ao suporte psicológico e social.”

Formação profissional
Uma das iniciativas mais valiosas do projeto é garantir a formação profissional das assistidas. O principal objetivo é que elas consigam se libertar da dependência financeira dos agressores e passem a ter independência. Empresas parceiras passaram a oferecer, de forma gratuita, cursos profissionalizantes para quem faz parte da atividade.

A chef de cozinha Luciana Felix, proprietária da Cazarrara Assessoria e Treinamento, pretende capacitar todas as mulheres que chegarem à delegacia. Estevão Santoro, advogado e chef, entrou nessa empreitada com ela. O primeiro curso foi de brigadeiros especiais, no laboratório de gastronomia da Universidade Católica.

REPRODUÇÃO - Vítimas de violência doméstica que fazem parte do projeto participam de formação profissional em gastronomia

O próximo curso de formação profissional está definido: bolos especiais, que demandam baixo investimento e bom retorno financeiro. Luciana explica que costuma ser procurada por empresários para preencher vagas ociosas de seus estabelecimentos comerciais, e ela quer inserir no mercado de trabalho as alunas que se destacarem.

A consultora da Mary Kay, Renata El-Moor, e sua irmã, Patrícia El-Moor, também ingressaram como aliadas. Ambas usaram o empreendedorismo, a maquiagem e a dança flamenca para encantar as mulheres. “A gente quer que elas se transformem em todas as dimensões e, para isso, é importante também saberem o que gostam de fazer”, conclui a delegada Grace Justa.

*Nome fictício


Fonte - Metrópoles

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