Todos são iguais perante a lei, mas alguns podem não ser
Vinícius Schmidt/Metrópoles
Na era das redes sociais, o compromisso com o que se diz ou se escreve é nenhum em quase toda parte. Donald Trump, candidato à Casa Branca pela terceira vez (ganhou a primeira e perdeu a segunda), anuncia que se eleito governará como ditador pelo menos por um dia.
Não diz o que fará nesse dia, e se lhe perguntam, responde apenas que vestirá a fantasia de vingador. Seus fiéis seguidores vão ao êxtase quando ele renova a promessa em entrevistas e comícios, e não lhe cobram maiores esclarecimentos. Só faltam gritar, como aqui: “Eu autorizo”.
Destilar absurdos é a melhor maneira que populistas como Trump encontraram para testar ideias, mensurar sua aceitação, tocar em frente com elas ou arquivá-las. E se esse for o caso, basta explicar que exagerou para irritar os adversários e provocar a mídia.
O anarco e ultrarradical de direita Javier Milei elegeu-se presidente da Argentina carregando uma motosserra que serviria para decapitar a “casta” – a classe política tradicional que, segundo ele, afundou o país. Disse que se comunicava com seu cachorro que morrera.
No discurso de posse em frente ao prédio do Congresso, quanto mais ele acenava com medidas destinadas a empobrecer os que vivem na pobreza, mais aplausos colhia da multidão penalizada por uma inflação fora de controle. Era o “autorizo” subentendido.
Milei convocou a “casta” para governar com ele. Revogou uma lei que proibia o nepotismo para empregar sua irmã e tutora como secretária-geral da presidência da República. E criou severas restrições a manifestações de rua contrárias às diretrizes do governo. A favor, tudo bem.
Como se vê, não lhe será impossível dar o dito pelo não dito se sentir-se ameaçado. Palavras jogadas ao vento, ou mesmo nas redes e na imprensa tradicional, podem ser revogadas sem danos como fartamente resta provado pelos que não lhe dão o mínimo de valor.
“Tudo dentro, nada fora da lei”, é um dos mantras de Milei que clonou seu cachorro morto e mandou esculpir a imagem dele no bastão presidencial. Lembra ou não o mantra de Bolsonaro: “Dentro das quatro linhas da Constituição”?
Foi encontrado finalmente o vídeo postado por Bolsonaro dois dias após os ataques de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes em Brasília. Nele, o procurador bolsonarista do Mato Grosso do Sul Felipe Gimenez proclama:
“[Lula foi] escolhido pelo serviço eleitoral e pelos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral”.
O vídeo é acompanhado de uma legenda onde se lê: “Lula não foi eleito pelo povo, foi escolhido e eleito pelo STF e TSE”. Ao reproduzi-lo, Bolsonaro deu margem a que Justiça entendesse que ele endossou-o. Por isso, aconselhado por advogados, apagou o vídeo duas horas depois de tê-lo passado adiante.
Interrogado a respeito pela Polícia Federal, Bolsonaro — assim como Trump, Milei e outros homens sem palavra –, alegou que estava sob efeitos de remédios no dia em que postou o vídeo; havia sido internado nos Estados Unidos com fortes dores no estômago e fora medicado com morfina.
O ladrão de joias presenteadas ao Brasil confia que prevalecerá o costume nacional de forjar acordos para evitar rupturas. Se Bolsonaro já foi punido com a inelegibilidade até 2030, por que ser preso? Ouve-se no mais alto escalão jurídico do país que prendê-lo o transformaria em mártir.
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