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Nada detém a entrada dos menores infratores no mundo do crime

Apreensões de adolescentes aumentaram 60%. Muitos deles acumulam homicídios e estupros


Jéssica Antunes
jessica.antunes@jornaldebrasilia.com.br


Eles ainda não podem tirar a carteira de motorista, morar sozinhos ou fazer uma viagem sem os pais a outro país. Mesmo assim, adolescentes têm longas fichas policiais e não costumam ficar internados por muito tempo. No primeiro quadrimestre do ano, o número de menores apreendidos foi 60,5% maior do que no mesmo período do ano passado. 

Falar em “crime” é proibido. Dizer que foram “presos” não pode. São menores apreendidos por cometer  atos infracionais análogos a crimes – ainda que tenham 16 passagens por estupros e oito por homicídio. 
Os titulares das unidades especializadas acreditam que mudanças são necessárias, falam de altos índices de reincidência e destacam a impetuosidade dos adolescentes. Especialistas divergem. E uma discussão que se arrasta há anos: a redução da maioridade penal. 
A Secretaria de Segurança Pública contabiliza 2.923 flagrantes de menores em atos infracionais nos primeiros quatro meses do ano. Em 2014, foram 1.821. O aumento de 60,5%, para a pasta, “demonstra mais efetividade do trabalho das polícias”. Desde janeiro, há   900 policiais a mais nas ruas. 
As duas delegacias da Criança e do Adolescente recebem, em média, 11 flagrantes diários envolvendo menores. “Não lembro de um dia que não teve apreensão”, revela o delegado Amado Pereira, da unidade II, em Taguatinga. As infrações mais comuns são roubo, tráfico e uso de drogas.  
Menor que mata
No ano passado, 688  homicídios foram registrados no DF. Pouco mais da metade, 355, foram elucidados até a primeira quinzena de maio. Segundo a Secretaria de Segurança, os menores apareceram em 29,9% dos casos. Em muitas ocorrências, alerta a pasta, há mais de um autor identificado. Portanto, “não é possível afirmar que os 139 jovens mencionados foram apontados como autores de 139 homicídios”. Apenas 1% dos casos solucionados não têm autoria conhecida.
Ponto de vista
A redução da maioridade penal é, hoje, tão somente para satisfazer o sentimento de vingança, o que, em um Estado de Direito Democrático, já deveria estar superado”, acredita Soraia da Rosa Mendes, professora de Direito Penal e doutora em Direito pela UnB. Ela é contra a mudança e pensa que  a criminalização cria um nível de insegurança maior. “O sistema carcerário é uma escola do crime e vai transformá- los em indivíduos piores. Temos que pensar no indivíduo que está em formação”, pondera. Para ela, os discursos de autossuficiência e criminalidade de menores proferidos por delegados “não têm base de pesquisa”. “Se o sistema de medida socioeducativa funcionasse, a realidade seria diferente”, finaliza.  Por outro lado, o advogado especialista em Direito Público Kleiton Nascimento é a favor da redução da criminalidade “porque o raciocínio do legislador, de que o menor de 18 anos não tem consciência do que faz, está ultrapassado”. Para ele, no entanto, a punição severa por si só não é impedimento para o cometimento de crimes. “Se cometem delitos no Brasil e no mundo, não é pela punição branda ou quase inexistente, mas sim pela certeza da impunidade”, ressalta. Ele elenca a educação e a profissionalização como os melhores caminhos para a reduzir a criminalidade. 
Armados com facas e revólveres
De segunda a sexta-feira da última semana, pelo menos 18 apreensões foram feitas no DF, uma média de mais de três por dia. A maioria portava arma de fogo, objeto que, de acordo com a delegada Alessandra Figueiredo, da DCA I (Asa Sul), é o mais capturado nos flagrantes. 
Contudo, o ato infracional que mais chamou sua atenção nos últimos tempos envolvia uma faca. “Um menino de 15 anos,  indo para a escola, colocou uma faca de cozinha na mochila e, durante o trajeto, esfaqueou um porque não conseguiu o celular, pegou o ônibus, cortou a garganta de outro porque também não conseguiu e continuou o caminho”, lembra.  O caso teve grande repercussão no DF.
 No colégio, o garoto ainda ameaçou uma menina. “Ele provavelmente iria matá-la”, avalia Alessandra. Quando apreendido, foi constatado que o jovem tinha outros cinco antecedentes criminais. 
Na outra DCA, Amado Pereira recorda casos que chamam a atenção: “Tivemos um garoto que matou ou tentou matar oito. Ele confessou pelo menos a metade, mas não ficou internado. O juiz entendeu que não tinha provas suficientes”. Outro, diz, tinha mais de 120 passagens pela polícia e até chegou a ficar internado, mas por pouco tempo. 
“Hoje, ele é maior e, se não me engano, está cumprindo pena por roubo”, diz. Um terceiro, com 17 anos e 16 estupros na conta, não ficou internado nenhuma vez. 
Saiba mais
 
Procurada, a Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do DF disse que a juíza responsável pela área não estava disponível para entrevistas. 
Além disso, por meio de assessoria de imprensa, informou que o DF possui duas varas competentes para processos de conhecimento relativos a atos infracionais e outra para medidas socioeducativas. No entanto, não existe um sistema interligado que compile as informações. 
Os delegados elencam as regiões administrativas que mais registram ocorrências envolvendo menores. No Plano Piloto, as Asas Sul e Norte são as campeãs, enquanto a unidade de Taguatinga contabiliza a maioria dos casos de Ceilândia. 
A Polícia Civil   elabora estudos preliminares para ampliar o número de delegacias especializadas em crianças e adolescentes. Hoje, uma nova unidade estaria descartada por causa do efetivo da corporação.
 
Dias melhores para cometer delitos
 
Geralmente, o maior número de apreensões ocorre entre segunda e quarta-feira. A delegada Alessandra Figueiredo, da DCA I, acredita que isso ocorre porque “os adolescentes sabem de cor e salteado o ECA”. “Quando um ato infracional é praticado na sexta-feira, por exemplo, eles sabem que ficarão apreendidos o fim de semana todo porque a audiência será na segunda-feira”, explica. Nos dias de maior movimento, isso pode acontecer dentro de horas.
Ainda há a possibilidade de ficar internado provisoriamente por 45 dias. Esse período é considerado pequeno pela delegada. O prazo máximo de internação também é criticado: “Ficar apreendido por, no máximo, três anos, é um tempo suficiente? Eles sabem que não”. Ela compara o Estado a um pai permissivo, “que repreende, mas deixa para lá”.  
 
Para os delegados, é fundamental que haja mudanças porque o adolescente de hoje é diferente daquele do passado. “Ele é autossuficiente no crime”, afirma Amado Pereira. “É mais violento, abusado, não tem medo de ficar preso, não tem respeito pela família, pelo ser humano, pela vida”, define. Por isso, muitas ocorrências envolvem apenas adolescentes, sem a presença de um maior. “O aliciamento existe, mas já foi maior”, revela.
Eles  concordam que o fator determinante para a entrada na criminalidade é a desestruturação familiar, seguida por falta de políticas públicas. Família, educação e esporte seriam a tríade preventiva. 
Alessandra diz que é preciso dar uma consequência mais forte para as ações, oferecer oportunidades, ajudar a ter  cidadania: “Tem que ter uma rede ajudando esse jovem e não só jogá-lo na internação”. 
 
Solto depois de matar vítima de assalto

Na última segunda-feira à noite, um garoto de 17 anos cometeu um ato infracional análogo ao crime de tentativa de latrocínio (roubo seguido de morte). Dois dias depois,  foi apreendido por policiais militares e reconhecido por testemunhas. A vítima do assalto, que levou facadas, foi hospitalizada em estado grave no Hospital de Base, não resistiu aos ferimentos e morreu   na quarta-feira, mesmo dia em que o menor foi apreendido e visto pela PMDF novamente no local do crime e da apreensão. 
“O levamos para a delegacia não eram nem 11h. De noite, minha equipe mandou uma foto mostrando que ele estava novamente no Setor Comercial Sul. Ele não ficou nem 12 horas apreendido, é difícil de entender. A polícia faz o trabalho dela, mas os últimos dois homicídios que ocorreram no SCS foram feitos por menores que logo voltaram”, conta a tenente Vilela, policial militar responsável pela área. 
 
Reincidência 
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2014, os processos apontam reincidência de 54% no Brasil. As regiões Centro-Oeste e Sul registraram o maior percentual: 75%. Segundo os delegados da Criança e do Adolescente, a maioria dos que chegam às unidades já passou por lá antes.
 “Contamos uma média de cinco passagens entre os cerca de nove mil apreendidos no ano passado. Mais de cem foram apreendidos pelo menos duas vezes”, afirma Amado Pereira, da DCA II. 
Apesar de apreensões e re-apreensões, os policiais dizem que não podem desanimar. “Somos profissionais e nosso trabalho é esse. Não somos justiceiros e temos que ter consciência disso”, assegura o delegado. 
 
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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