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Os alunos invisíveis das escolas clandestinas do DF

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Desde 2014, Eduardo* mantinha rotina comum da vida de um estudante de 9 anos do ensino fundamental. Acordava cedo, tomava café, colocava o uniforme e era deixado pelos pais no Colégio Araberi, na QS 3 de Águas Claras. Tudo parecia normal, até que, em 3 de outubro deste ano, o garoto encontrou as portas do estabelecimento fechadas, em plena terça-feira.

“Disseram que iam reformar o teto e reabririam em dois dias, mas a diretora simplesmente desapareceu”, lamenta a mãe do menino, a pedagoga Lívia Lane da Silva, 33. O que ela e os pais dos outros 70 alunos matriculados na escola não sabiam é que o Araberi funcionava clandestinamente.

Para o Estado, essas crianças não existiam. Sem histórico chancelado pela Secretaria de Educação, Eduardo, que cursava o 4º ano do ensino fundamental, e os colegas correm o risco de serem obrigados a refazer as séries cursadas na instituição. “É desesperador imaginar que meu filho pode ter um prejuízo irreparável por culpa de pessoas sem escrúpulos, que nos enganaram”, dispara Lívia, moradora de Taguatinga.

A situação irregular não se restringe à escola que, até outubro, funcionava às margens do Pistão Sul. O Metrópoles teve acesso a um levantamento feito pela Coordenação de Supervisão, Normas e Informações do Sistema de Ensino (Cosine), da Secretaria de Educação. O documento lista 26 centros de alfabetização privados sem autorização da pasta para funcionar. Destes, 24 estão de portas abertas e dois fecharam recentemente.

Neles estudam cerca de 1,6 mil meninos e meninas invisíveis aos olhos do Estado. Nem sequer integram as estatísticas da pasta como matriculados nas redes particular ou pública, como preconiza a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9.394, de 1996.

De acordo com o mapeamento da própria Secretaria de Educação, a maioria das instituições ilegais está localizada em regiões periféricas, como Ceilândia e Samambaia. Mas há também centros de ensino piratas erguidos em bairros nobres, como lagos Sul e Norte e Asa Sul.

MAPA DO ENSINO IRREGULAR NO DISTRITO FEDERAL

MORTE DE BEBÊ

A decisão de matricular os filhos em colégios clandestinos, seja por desconhecimento ou negligência, pode ter consequências irreversíveis. Em 13 de julho deste ano, a Baby Hotel da Vovó Tânia, não credenciada pelo governo, tornou-se palco de uma tragédia. Recém-nascida de 5 meses, Alice Viana foi deixada na creche instalada na QS 14 do Riacho Fundo I. Ela morreu poucas horas depois.

Monitoras notaram que a menina estava inchada e vermelha e a levaram à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante. Com as vias aéreas obstruídas, a pequena não resistiu. A creche era clandestina. Após a repercussão negativa, a proprietária retirou o mobiliário e encerrou as atividades.

Laudo pericial feito pelo Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil do Distrito Federal revelou que havia traços de paracetamol na mamadeira da bebezinha. Os investigadores querem saber quem foram os responsáveis por colocar o medicamento no recipiente.

A proprietária da creche, Tânia Alves, 60, admite que cuidava das crianças de forma improvisada e nunca se preocupou em regularizar o estabelecimento. “Os pais confiavam em mim. Sei que precisava de autorização, mas a falta de tempo não me deixou resolver isso”, afirma. A mulher aguarda o desfecho do inquérito policial, que corre na 27ª Delegacia de Polícia (Riacho Fundo).

Tânia Alves, proprietária da creche Baby Hotel da Vovó Tânia, no Riacho Fundo - Daniel Ferreira/Metrópoles
O pai de uma menina de 11 meses que passava a manhã na creche de Tânia desconfia da procedência e da manipulação dos alimentos oferecidos às crianças. Por duas vezes, a filha dele teve de ser internada com dores abdominais e vômitos. “Antes de acontecer a tragédia (com Alice), já estávamos procurando outro local para deixá-la. Era comum ela ter diarreia. O médico suspeitava da alimentação”, diz o homem, que preferiu não se identificar.

A pequena Alice morreu após passar mal em creche clandestina - Daniel Ferreira/Metrópoles


VÁCUO DEIXADO PELO ESTADO

Para Márcia Pereira da Rocha, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (2ª Proeduc), a proliferação de colégios ilegais na capital do país é fomentada pela defasagem de vagas em creches públicas.

“Normalmente, essas escolas focam em crianças de até 6 anos. Acabam assumindo um vácuo deixado pelo Estado. Via de regra, os pais, humildes, precisam trabalhar. Como não há vagas em creches públicas, optam por lugares baratos e perto de suas residências. O problema é que nem sempre essas pessoas têm preparo”
Márcia Pereira da Rocha, promotora de Justiça

De acordo com a Secretaria de Educação, aproximadamente 11 mil crianças de até 3 anos esperam para serem matriculadas em creches na rede pública do Distrito Federal. Em 2015, a fila era quase o dobro: 21 mil.


O subsecretário de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação (Suplav) da pasta, Fábio Pereira de Souza, garante que visitou e notificou todas as 26 instituições de ensino irregulares, mas pondera que não tem poder de polícia para interditá-las.

“Quando nos deparamos com denúncias dessa natureza, primeiramente, orientamos o responsável sobre os procedimentos de credenciamento. Depois, encaminhamos ofício para a Agefis (Agência de Fiscalização do Distrito Federal)”, pontua o subsecretário.
Mães dos alunos encontraram os portões do Colégio Araberi fechados


PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

A professora Roberta Campos Reis, 32, é outra mãe ludibriada pela dona do Araberi. Ela pagava R$ 1,6 mil de mensalidade e recebeu a garantia de que a filha, de 5 anos, teria direito a várias atividades, como ballet, inglês e informática. “Mudavam sempre os professores e não entregavam o que haviam prometido em contrato”, conta.

Com o encerramento repentino das atividades da escola, Roberta teve de matricular a criança, às pressas, em outro centro de ensino, credenciado pelo Estado. A menina tem sofrido para se adaptar. “De um dia pro outro, minha filha tinha novos amigos, outros professores e um ambiente de ensino diferente. Ela chorou muito. Foi uma mudança abrupta e que a abalou”, diz a mãe, revoltada.


PERDA PEDAGÓGICA

A comerciante Francy Balbi da Costa, 40, mãe de Pedro*, 9, afirma que o filho tem encontrado dificuldade para acompanhar o aprendizado dos colegas de turma na nova escola. Ela teme que o garoto seja reprovado no exame de proficiência, que vai atestar se aluno pode permanecer no 4º ano do ensino fundamental, série que cursava no Araberi.

“O ano de 2017 foi praticamente perdido em termos pedagógicos, pois, após um tempo, descobrimos que, por vários dias, eles (os estudantes) não tinham aula”, ressalta. Segundo ela, os professores do colégio pediam demissão por atraso de salário e a dona da escola demorava muito a agir para repor os conteúdos. “É revoltante”, acrescenta.

O Metrópoles ligou por várias vezes nos telefones da proprietária do Colégio Araberi, Andrea Suely Landim Marques, mas ela não atendeu nem retornou as ligações.


“DEPÓSITOS DE CRIANÇAS”

O diretor-jurídico do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinproep), Rodrigo de Paula, define algumas escolas clandestinas como “verdadeiros depósitos de crianças”. Ele critica a falta de critérios de algumas administrações regionais em emitir alvarás de funcionamento, mesmo sem a Secretaria de Educação ter autorizado a oferta de atividades pedagógicas.

“É muito normal um colégio não dispor nenhum tipo de documentação para prover ensino, mas ter alvará de funcionamento. É uma incoerência inadmissível”, dispara o diretor do Sinproep. A Secretaria de Educação informa que, a partir de 2018, integrará a relação de órgão licenciadores, e que as administrações só poderão emitir licença após parecer da pasta.

Em nota, a Agefis informa que foram recebidos, ao longo do ano, 22 ofícios relacionados a centros educacionais do DF. “Todos foram fiscalizados e tiverem as sanções devidamente aplicadas”, destacou o documento.
Creche clandestina Baby Hotel da Vovó Tânia, no Riacho Fundo, continua fechada

Com educação, não se brinca. O presidente da Associação dos Pais e Alunos do DF (Aspa-DF), Luis Cláudio Megiorin, alerta que os responsáveis não podem ter tanta boa-fé na hora de entregar os filhos aos cuidados de um centro de ensino. “Muitos ficam com vergonha de exigir o que é um direito. É preciso pedir para ver documentação, sim. Os pais têm de desconfiar. Escola não é brincadeira”, aconselha.


ATENÇÃO MESMO COM AS REGULARES

Mesmo escolas credenciadas devem contar com a atenção redobrada dos pais. A orientação é que eles procurem saber como está a saúde financeira da instituição e se há muitos processos trabalhistas em curso vinculados ao estabelecimento. Tais problemas podem indicar que a unidade está próximo da falência.

Um tradicional grupo de educação, o Montêmine, está nessa situação e ameaça fechar as portas. Sem depositar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de funcionários há quatro anos — de 2013 a 2017 —, os donos do estabelecimento localizado em Taguatinga Norte tiveram os bens penhorados pela Justiça do Trabalho. As quatro unidades do conglomerado, juntas, têm cerca de 800 crianças e adolescentes matriculados.


Em decisão proferida no dia 5 de outubro deste ano, a juíza da 5ª Vara do Trabalho de Taguatinga Larissa Leônia Bezerra de Andrade mandou confiscar carros, computadores e imóveis dos donos do colégio. Segundo a magistrada, a escola responde a diversas denúncias, como falta de pagamento de salários, de FGTS e de contribuições previdenciárias dos empregados.

“Não vem pagando nem garantindo as execuções dos processos trabalhistas”, escreveu a juíza, ao basear sua decisão. A reportagem ligou nos três telefones expostos no site do Montêmine, mas todos constam como indisponíveis. Segundo o Sinproep, as linhas foram cortadas por inadimplência.

O OUTRO LADO

A reportagem procurou todos os colégios irregulares que constam na lista da Secretaria de Educação. A diretora e dona da Semeando Vidas, Núbia Máximo, disse que ainda não fez a solicitação para operar na legalidade porque tem dúvida se o proprietário do imóvel irá renovar o contrato de aluguel. “Nos últimos dois anos, estamos funcionando com essa incerteza de permanecer ou não no prédio, mas, em janeiro de 2018, vou dar entrada com a papelada e deixar tudo certinho”.

Uma funcionária da Estudoteca Sagalu, identificada apenas como Carina, garantiu que a direção encaminhou o pedido de credenciamento e aguarda a vistoria da pasta. A diretora e proprietária da Creche e Escola Crescer para o Amanhã, Maria Cláudia de Oliveira, explicou que contratou um arquiteto para fazer um projeto que se adeque às normas exigidas pelo governo. Ela também garantiu ter, em fase de elaboração, uma nova proposta pedagógica. “Assim que terminar, vou solicitar formalmente a legalização ao governo”.

ESCOLAS NÃO AUTORIZADAS
A diretora do Colégio Raio de Sol, Suely Pereira, alegou não saber que a instituição está em situação irregular e prometeu avaliar a documentação da escola. O responsável pelo Meta Cursos considerou “um equívoco” a empresa constar na lista da secretaria, uma vez “que não emite certificado, só encaminha e indica estudantes para centros de ensino regulares”, disse Jhonatans, funcionário que não quis revelar o sobrenome.

Um homem que trabalha na Central Cursos anotou o telefone da redação do Metrópoles e prometeu retornar para dar mais explicações, o que não ocorreu até a publicação desta reportagem. A proprietária do Centro Infantil Camila Baby, Maria Madalena, também não ligou de volta, conforme prometido.

Fachada da creche Baby Hotel da Vovó Tânia, no Riacho Fundo - Daniel Ferreira/Metrópoles
Os responsáveis das outras instituições listadas como clandestinas pela Secretaria de Educação não foram localizados. Algumas nem sequer têm telefone disponível na internet. O Ministério da Educação (MEC), por sua vez, informou que as escolas de educação básica, públicas ou privadas, segundo a legislação brasileira, pertencem aos sistemas estaduais e municipais. Portanto, precisam ter autorização dos governos locais.

A Secretaria de Educação exige uma série de documentos, como projeto pedagógico e licenças, das escolas instaladas no DF. Depois, uma comissão analisa tudo, vai até o estabelecimento, e, em seguida, encaminha o processo ao Conselho de Educação. Esse é o caminho a ser seguido para ficar dentro da legalidade.

(*) Nomes fictícios a pedido das mães


Fonte - Metrópoles

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