Ministro do STF lembrou ainda caso Genivaldo; Dino, que indicou chefe da corporação, afirma que inquérito foi instaurado no dia da ocorrência
MATHEUS TEIXEIRA BRASÍLIADF (FOLHAPRESS)
O ministro do SFT (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes comentou a morte neste sábado (16) da menina Heloisa dos Santos Silva, de 3 anos, baleada em uma ação da PRF (Polícia Rodoviária Federal), e afirmou que a existência da corporação deve ser repensada.
O magistrado também mencionou a morte de Genivaldo Santos asfixiado em uma viatura da PRF e a atuação da corporação durante o segundo turno das eleições do ano passado, quando montou blitze em locais em que o presidente Lula (PT) tinha feito mais votos no primeiro turno –na época, o chefe da corporação era Silvinei Vasques, indicado do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Gilmar afirmou que, em casos de “violações estruturais”, é necessário pensar em “medidas também estruturais”.
“Ontem, Genivaldo foi asfixiado numa viatura transformada em câmara de gás. Agora, a tragédia do dia recai na menina Heloisa Silva. Para além da responsabilização penal dos agentes envolvidos, há bem mais a ser feito. Um órgão policial que protagoniza episódios bárbaros como esses –e que, nas horas vagas, envolve-se com tentativas de golpes eleitorais –, merece ter a sua existência repensada”, escreveu na rede social X, antigo Twitter.
Heloísa foi baleada na nuca e no ombro durante uma ação da PRF no Arco Metropolitano, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.
A criança estava na unidade de tratamento intensivo do Hospital Municipal Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, para onde foi levada depois de ter sido ferida. Quando foi atingida pelos disparos, ela estava com a família indo para casa, em Petrópolis, na região serrana.
O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), publicou a nota de pesar divulgada pela PRF e lamentou o ocorrido.
“Quanto à apuração de responsabilidade administrativa, reitero que o processo administrativo foi instaurado no mesmo dia da ocorrência. Minha decisão só pode ser emitida ao final do processo, como a lei determina”, disse.
O ministro, que chefia a pasta responsável pela PRF, também mencionou que já está em curso um inquérito da Polícia Federal para apurar o caso e que o resultado da apuração será enviado ao MPF (Ministério Público Federal) e à Justiça.
Dino, inclusive, que é o responsável pela nomeação do chefe da corporação, atualmente comandada por Antônio Fernando Oliveira. Inicialmente, ainda no governo de transição no final de 2022, o socialista havia escolhido Edmar Camata para o cargo.
Logo após a indicação, no entanto, vieram à tona comentários públicos de Camata em apoio à Lava Jato e à prisão do presidente Lula (PT).
Dino, então, recuou e decidiu escolher um nome mais alinhado ao PT. Antes de assumir a chefia da PRF, Oliveira fazia publicações nas redes sociais em apoio a Lula e contra Bolsonaro.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, também usou as redes sociais para lamentar a morte de Heloísa. “É preciso apurar com rigor as causas e as responsabilidades dessa tragédia. Determinei à Procuradoria-Geral da União que acompanhe imediatamente o caso para avaliar eventual responsabilização na seara cível”, escreveu.
A primeira-dama, Janja, também aderiu àqueles que pedem justiça pela morte de Heloísa, e criticou a ação das forças de segurança. “Basta de ver nossas crianças morrerem. Quem deveria proteger, mata”, escreveu, nas redes sociais.
Segundo relatos de parentes e testemunhas, uma viatura da PRF passou a seguir o carro em que a menina estava e os agentes abriram fogo após o pai da criança, William Silva, dar sinal de parada.
No carro, além de Heloisa, estavam seus pais, uma irmã de oito anos e uma tia. O caso é investigado pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e pela Corregedoria-Geral da PRF.
Segundo a equipe médica que atendia a menina, a menina tinha vários orifícios de entrada por perfuração de arma de fogo. Ao menos dois tiros a atingiram: um deles no ombro e outro na nuca, que se fragmentou. O número exato de disparos só vai ser informado após perícia.
Nas redes sociais, políticos e organizações do Rio de Janeiro expressaram solidariedade aos familiares de Heloisa e também cobraram punição dos envolvidos na morte da criança.
A deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ) afirmou que o caso é “inaceitável”, “revoltante” e “dilacerante”. “Mais uma família dilacerada, mais um futuro exterminado. Muita dor!”, escreveu a parlamentar.
“A Lei Ágatha, de minha autoria, que garante a prioridade na investigação em assassinato de crianças e adolescentes, precisa ser cumprida”, disse.
A deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ) questionou ações realizadas na área de segurança do Rio. “Que horror é esse que vivemos no RJ em que crianças são arrancadas desse modo? Que tipo de segurança é essa?”, publicou.
Ao se manifestar sobre a morte de Heloisa, a ONG Rio de Paz disse que “ninguém aguenta mais isso”. “Todo mês é uma criança morta em ação policial. Que lugar é esse onde isso virou rotina e ninguém faz nada?”, questionou.
De acordo com a organização, o estado do Rio registra 102 mortes de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos desde 2007 por armas de fogo –a maioria por bala perdida. Só neste ano já são 11 casos, segundo a Rio de Paz.
A Prefeitura de Duque de Caxias manifestou solidariedade aos familiares e amigos de Heloisa na nota em que confirmou a morte da menina.
“Em nome da Prefeitura de Duque de Caxias e de todos os colaboradores da Secretaria Municipal de Saúde, lamentamos profundamente e nos solidarizamos aos familiares e amigos da pequena Heloísa”, afirmou.